Mas pra variar sua mãe tinha estragado sua possibilidade de entrar para a turma dos descolados comprando a pior fantasia possível. Parecia um pesadelo olhar-se no espelho e ver-se com aquela roupa de anjo, usando um calçolão que parecia uma fralda, uma tiara em forma de auréola no meio de seus cachos dourados e uma asa espalhafatosa que causava alergia nas meninas e o tornava alvo de gozação entre os meninos.
- Ah, olha só o meu anjinho. Será o rapazinho mais lindo da festa.
- E o mais zoado também! – respondeu de cara amarrada e indo em direção à garagem.
- Mas se eu souber que te chatearam e o Miguel não fez nada eu deixo ele um mês sem videogame.
- O quê?!? – O irmão de Gael gritou de dentro do carro – Eu falei que não queria levar esse fedelho.
- Não ligue, meu amor. Vamos, entre no carro, seu pai já está esperando. Marquei com seu irmão de pegá-los às 10, mas se acontecer qualquer coisa você me liga tá. – Disse beijando-o na bochecha.
Gael estava apreensivo, mas sua mãe tinha um poder calmante que causava sorrisinhos involuntários em seu rosto. Era uma coisa quentinha que ele sentia por dentro, igual quando ela escovava seus cabelos, sempre finalizando com um afago gostosinho.
Gael procurou ficar calmo e achar seus colegas para brincar. Dali quatro horas deveria estar naquele local novamente para ir embora, então teria tempo suficiente. Ainda bem, porque não foi nada fácil reconhecer seus amigos embaixo de bigode postiço, pintura de índio e máscara do Darth Vader.
- Olha só o Gael! – riram muito os meninos – O anjinho Gael!
Os garotos saíram correndo por entre as pessoas, fazendo piruetas angelicais e biquinhos singelos para provocá-lo. Gael corria atrás tentando acertar neles sua harpa de isopor e purpurina dourada.
Aquela não estava sendo exatamente a festa que ele esperava. Irritado com os colegas resolveu ir para a parte externa procurar seu irmão. As animadoras realizavam várias brincadeiras e várias delas tentaram chamá-lo, mas ele se esquivou e foi até a parte alta do terreno. Sentado em uma pequena colina que lhe dava visão privilegiada do baile, Gael sentiu falta de sua mãe. As festas com ela eram muito mais divertidas.
Desanimado, arrancando alguns matinhos que destoavam dos outros, sentiu um súbito arrepio. Teve a impressão de que um vulto passou, deslocando uma pequena quantidade de ar. Olhou ao redor e não viu nada. Assustado, achou melhor voltar para perto das pessoas. Havia perdido a noção das horas e, só ao se levantar e sentir câimbra, percebeu que estava há muito tempo ali.
A música seguia outro estilo agora. Uns acordes de guitarra mais agressivos ecoavam pelo salão animando de maneira entusiástica bruxas e princesas, policiais e zumbis, freiras e piratas, vampiros e bonecas.
De repente, parecia que todos haviam crescido. Onde estavam seus amigos? Os procurava se batendo entre as pessoas, impressionado que estava com os ânimos do lugar.
Do meio do salão olhava para o alto, na tentativa de encontrá-los no mezanino, quando sentiu a presença de alguém. A um metro de distância estava uma figura alta, magra, vermelha, com dois chifres e um rabo que balançava próximo ao tridente que segurava. Gael paralisou, queria correr, gritar, chorar; mas achava que nem de respirar seria capaz. |
Com certo alívio ouviu a badalada do grande relógio do salão principal, indicando que a tão esperada 22 horas havia chegado. Aquela figura sinistra e amedrontadora estava entre ele e a porta principal. Gael o foi contornando sempre de frente, enquanto aquele ser apenas girava a cabeça, acompanhando os movimentos do menino.
Depois de um longo trecho andando de costas e se batendo com as pessoas, Gael finalmente virou-se e correu o mais rápido que pôde em direção a porta.
Quando a estava quase alcançando elas subitamente se fecharam, a música parou e um dos animadores da festa pegou o microfone.
- Como vocês já sabem, é tradição deste baile o momento de livrar-nos das ilusões. Então, antes de alguns irem embora, é chegada a hora de tirar nossas fantasias e nos mostrar como somos!
As portas foram abertas novamente e logo Miguel apareceu de bermuda e camiseta do Smashing Pumpkins.
- Vamos logo, pirralho. Todo mundo já tirou a fantasia e a mãe já deve estar esperando.
Gael respirou aliviado e feliz. Antes de descer do terceiro degrau da escada que dava acesso aos mezaninos, resolveu dar uma última olhada naquela que tinha sido sua primeira festa sozinho.
Não havia mais nenhum Homem-Aranha, nem Shrek ou Jack Sparrow. Apenas pessoas comuns, como ele e Miguel. Porém, ao passar os olhos na área central do salão, parou petrificado. Aquela figura que o apavorou instantes antes ainda estava lá, com o mesmo aspecto e encarando-o intensamente.
Afinal, se todos mostraram quem realmente são, o que era aquele ser? Gael não quis ficar para perguntar. Correu atrás de Miguel e por um mês dormiu abraçadinho a sua mãe.