Sim, a literatura oferece um leque valiosíssimo e extraordinário de formas de se conhecer e entender os conceitos da ciência geográfica.
Para quem não é muito familiarizado com geografia, saiba que não cabe a ela apenas descrições e coordenadas. Através da leitura de um texto literário podemos formular análises espaciais complexas, que dão conta não apenas da descrição física dos lugares e espaços vividos com suas diferentes paisagens, como também nos trazem a cultura local, com seu modo de vida expresso no cotidiano.
Dessa maneira, fica difícil estabelecer um sentido único para os elementos que se relacionam na trama, já que as relações, por serem subjetivas, vão se estabelecer com cada leitor. Mas são essas diferentes significações é que vão diferenciá-las das produções científicas e informativas, que muitas pessoas acham chatas e desinteressantes (claro que isso é muito mais evidenciado em literaturas clássicas, porém a literatura de entretenimento também está recheada de obras que nos trazem em algum momento análises espaciais de grande riqueza).
Trabalhei muito esses conceitos no meu queridinho Capitães da Areia, de Jorge Amado. Esta obra de 1937, faz parte da primeira fase do autor, quando seus romances tinham forte atuação política. Nela Jorge Amado evoca Salvador com todos os elementos que a caracterizavam naquele momento. Características essas atuantes mesmo nos dias de hoje. Cada personagem tem atributos específicos que vão desenhar o panorama político, econômico e social de toda a sociedade salvadorense no período.
Muitos escritores produzem através de seus romances, trabalhos de verdadeiro valor histórico-geográfico. Estas obras são escritas através de suas próprias experiências e visões de mundo, sendo assim, resultado de suas percepções. É inegável como isto é uma nova perspectiva de análise da realidade em um dado momento, que leva em consideração tanto os aspectos subjetivos como objetivos. O romance será, portanto, uma junção destes dois aspectos, exercendo a função de mediador entre a realidade (geográfica) e o mundo das representações (literária).
Para conhecer a região da Normandia no século XIX, Frémont analisou a novela de Gustave Flaubert, Madame Bovary. Ele mapeou os movimentos de Emma Bovary, as suas visitas a Youville ou a Rouen, e identificou, dessa maneira, os lugares centrais desse período; ele analisou as razões pelas quais as pessoas os frequentavam, a hierarquia das cidades e as imagens de cada um desses lugares. (CLAVAL, Paul - 2007; citado por CAETANO, Jessica Nene - 2012).
Os maiores expoentes desses estudos no Brasil são os integrantes da geração de 1930 do regionalismo brasileiro, um misto de literatos e cientistas. Suas obras retratam através de temas cotidianos do Nordeste, como a seca e a miséria, conflitos sociais que trazem embutidos críticas a toda a conformação política da região. Mas eles são assunto para uma próxima postagem.
Um grande beijo,
Até semana que vem!